Friday 29 August 2008

Tempo de casado

por Fabrício Carpinejar

"Eu não consigo escrever de relógio de pulso. Aperta, esfria o sangue.

Não é problema com o tempo, é com o braço. Não me tolero amarrado a uma angústia.

Aceito relógio quando caminho. Não sei parar com ele. Eu sou um relógio de vogais.

Sentei aqui para redigir seu rosto.

Vou por partes, para não me entender mesmo. Sofrer é fazer que tudo tenha sentido.
Quando tudo tem sentido nada mais tem.

A alegria é não precisarmos de sentido afora estarmos juntos.
Um com o outro. Um no outro. Um para o outro.

Passo a concluir que a alegria é profunda e a tristeza é superficial.

A tristeza não cansa de ter razão. Quem tem razão, briga. Busca convencer. Não sairá do quarto sem a desistência da oposição. Consolar é concordar, igualando - com infelicidade - as opiniões.
O primeiro que se mostra contrário ao sofrimento não está apoiando.

A alegria é muito mais tolerante. Não pede concordância para continuar existindo.
Eu descobri o motivo da separação dos casais que ficam mais de dez anos, mais de quinze anos:

A exigência.

Falta-lhes humildade para recomeçar. Tornam-se extremamente exigentes. Impacientemente exigentes. Viveram tanto, com tantas dádivas para comparar que não aceitam menos do que foram.

Quando você me observa, está me comparando comigo dando força em sua gravidez, com o início festivo do namoro, com a espontaneidade da casa desmobiliada e um colchão no chão, com o amigo que falava sem cessar no restaurante para não desmerecer sua risada, com o amante seguro que dorme ao lado da porta para protegê-la.

Você não me observa mais, você me anula diante de todos os homens que já fui.
Vou pagando empréstimos com empréstimos.

Ainda me procura alinhado, mas sou sua roupa solta pelo sofá.

Cogitava, o que vivemos iria nos ajudar a continuar vivendo, como um reservatório de confiança. Na fraqueza, puxaríamos uma lembrança e logo nos sensibilizaríamos, selaríamos as pazes e diríamos que é bobagem continuar discutindo.

Mas o que ocorre é o inverso. O que nós vivemos nos atrapalha. Nos emperra. Nos empaca.
O marcador de página já faz sombra amarela no livro.

Os apaixonados têm mais facilidade em se aceitar do que nós. Porque eles não existiram antes para apontar falhas e descaminhos. Correm com a leitura. Serão receptivos, atentos e esperançosos. Há mais ânsia do que alma.

Não aconselho apagar o que fomos, e sim não repetir, não determinar o que é meu ou seu. Não buscar um insano consenso com o passado, ou uma coerência passiva. Admitir que ambos falharam na vida, mas que é infinitamente melhor do que falhar no amor.

Eu só desejava que você me olhasse como se fosse um desconhecido.
Que me cumprimentasse não sabendo mais nada de mim.
Nada, além da vontade de conhecê-la."

P.S.: I just wanna tell you that I understand...

Friday 22 August 2008

Uma fábula infantil para adultos

"Sempre quis ser feliz. Felicidade de árvore, puxar o galho pesado de frutos como quem abre um guarda-chuva para o rosto. Felicidade de rodar o corpo várias vezes até entontecer e deitar na grama para observar as nuvens. Aquela tontura era quando meus lábios tiravam as sandálias.

Quando não previa que era feliz, a felicidade não terminava.

Ao conhecer a felicidade, passei a defendê-la. Passei a me acostumar com ela e procurá-la onde já a tinha encontrado. Não procurava onde não a conhecia. Eu gastava a felicidade de antes. A felicidade que existia dentro da felicidade. Não a felicidade que existia fora da felicidade, que também poderia ser minha.

Minha felicidade logo virou a desconfiança de que os demais cobiçavam a minha felicidade. Logo virou a suspeita de que não poderia ser feliz, obrigado a me conter. Caso demonstrasse, estaria esnobando. Alertando os ladrões. Não podia sair mais com a minha felicidade. Escondia em casa, atrás dos livros.

Sem felicidade, aprendi a viver com a lembrança dela. Estava quase feliz, remotamente feliz, pois poderia retornar à felicidade de noite. Retornar à felicidade era meu jeito de ser feliz. Ou de parecer feliz durante o dia.

Fiquei assustado quando alguém me falou que eu não era sério, que precisava ser adulto. Tentei ser feliz e não rir. Ao sentar a boca, esquecia que estava feliz e permanecia somente sério. A concentração para não rir me tirou a vontade de falar.

Complicado o negócio de ser feliz. Desisti, portanto, de minha felicidade para deixar os outros felizes. Abri mão das coisas. Queria que minha mulher fosse feliz – girava o quarto para que ela fosse. Queria que meu filho fosse feliz – girava a sala para que ele fosse. Quando um ou outro estava feliz, eu não pensava em minha felicidade. Nem que a tinha escondido para nunca mais rever. Já não me lembrava onde estava: atrás de que livro? Que autor? Qual estante?

Quando recebia convite para estudar no exterior, concluía:
- Outra hora.

Quando recebia convite para um novo trabalho, concluía:
– Outra hora.

Não me constrangia em esperar. A felicidade da minha mulher e dos meus filhos foi formando minha felicidade. Até que bateu um remorso por não ser feliz sozinho, afinal todos são felizes sozinhos. A dependência me doía. Eu tinha que esperar que fossem felizes para me acalmar. Não que tivesse deixado de ser feliz, eu esperava o reconhecimento deles para então perceber que fui feliz. Eu era feliz depois de ser feliz.

As coisas abriram suas mãos. Acreditava que me anulava. O mesmo remorso de uma dona-de-casa depois de arrumar a bagunça, sentar na cozinha, descobrir que o minuto de seu sossego é o cigarro e que todo mundo vai esperar a casa limpa, como sempre, e nada será comentado. Porque a casa limpa é invisível, como a felicidade.

A felicidade deles tornou-se minha infelicidade. Fui cobrando a devolução dos dias felizes que dediquei à felicidade deles. Pedindo a devolução das minhas semanas, uma por uma. Não conseguia diferenciar o que era meu do que era deles. Numa partilha, como dizer quem gosta mais de um disco ou de um filme?

Minha felicidade não era infeliz, mas sem assunto. Confundi sem assunto com infeliz. Não tinha o que contar de mim, só deles. Eu era mais a promessa de felicidade deles do que o meu passado.
Eles foram ficando tristes porque minha felicidade não aparecia. Nem depois. Nem como véspera. Eles não sabiam como devolver minha felicidade. Porque a felicidade deles também era me fazer feliz
."

Fabrício Carpinejar

Esse texto do Carpinejar foi, como muitas outras coisas, extraído não do blog do autor (http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/), mas do fotolog da minha amiga Carol Cigerza (http://www.fotolog.com/cigerza), parada obrigatória para boas leituras.

Monday 11 August 2008

Dia a dia

Hoje está fazendo...
- 21 graus

Estou ocupada com...
- a tese

Acordei cedo para...
- assistir algo das olímpiadas na tv, mas eles só estavam passando canoagem, remo, tiro, boxe, judô e as notícias do dia, porque uma mulher britânica ganhou uma medalha de ouro na natação, coisa que não acontece há 40 anos.

Tenho comido muita ...
- salada

Ontem eu preparei...
- fajitas

Ontem eu assisti...
- Olimpíadas

Estou vestindo...
- calça jeans e camiseta;

Acabei de ler...

- "The testament of Gideon Mack", de James Robertson;

Estou lendo...

- High fidelity, de Nick Hornby

Filmes mais recentes...
- Kung Fu Panda (muito fofo)
- Hancock (legal)
- Jumper (mais ou menos)
- The other Boleyn girl (muito bom)
- The bucket list (muito bom)
- Charlie Wilson's war (bom)
- Knocked up (Engraçado, mas eu tiraria algumas cenas)
- Wall E (MUITO BOM e MUITO FOFO)
- Into the wild (bom, mas muito triste)
- Be kind rewind (Muito bom)

Hoje à noite eu vou...
- assistir Mamma Mia no cinema

Site mais visitado ultimamente:
- Fabrício Carpinejar (http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/);

Saudade grande:
- de respirar fundo sem sentir um peso, de confiar...

Foto mais recente:


Local: Universidade
Data: 08/08/08

Essa daí comigo é a minha segunda orientadora, a Anat Bardi, um anjo que apareceu na minha vida. Amiga, muito mais orientadora do que o meu orientador principal, a pessoa que mais confiou e investiu no meu trabalho, alguém por quem eu trabalhei e continuaria trabalhando de graça, alguém em quem eu realmente confio.
Ela está indo embora daqui, para uma universidade melhor em Londres. Esse dia foi muito triste pra mim, ter que me despedir dela, saber que vai demorar um pouco até vê-la de novo.
Muitas despedidas ultimamente. :-(

Frase mais recente:

"As conseqüências de nossas ações nos agarram pelos cabelos; para elas é indiferente que, no intervalo, nos tenhamos tornado melhores.”

(Nietzsche, em Além do bem e do mal)

Tuesday 5 August 2008

2 anos, 10 meses e 19 dias



Esse foi o período que Paulinho passou morando aqui na Inglaterra. Tenho certeza de que, quando tiver tempo e computador, ele vai tirar alguns momentos para escrever a versão dele da sua volta para o Brasil: a viagem (already eventful!), a chegada, a readaptação.

O que eu quero falar aqui é sobre esses quase 3 anos. Muitas coisas todos já sabem: as nossas viagens e os eventos mais importantes, as visitas dos amigos e familiares. O que poucos sabem é como foi o nosso dia-a-dia, as pequenas descobertas, a adaptação demorada, mas que acabou acontecendo.

Então, quis que esse post fosse um memorial fotográfico dessas pequenas coisas, que não foram fotografadas, mas que estão na nossa memória e ajudaram a preencher esses 3 anos de Inglaterra.

A despedida do Brasil, a nossa chegada em Canterbury, conhecer a cidade e as pessoas com quem convivemos por 1 ano.



Aguentar a fase da minha aprendizagem culinária sem reclamar, ajudar com a casa e os meus trabalhos. Estar ali mesmo nos momentos mais difíceis, que foram muitos.



Procurar emprego e sofrer com isso. Encontrar emprego, sofrer com ele, mas se adaptar a ele. Se adaptar inclusive ao jeito tão britânico de comemorar o Natal.



Fazer amigos, tirar fotos. Ver neve e ficar bobo. Ver sol e ficar feliz. Falar dos outros quando eles não entendem a nossa língua. :P



Fazer melhores amigos.



Se despedir dos melhores amigos mais uma vez.



Reencontrar velhos amigos. Passear, viajar, sempre.



Ler no trem enquanto escuta música e não reclamar porque eu fico interrompendo pra ele olhar alguma coisa pela janela.



Colecionar foto de pub. Colecionar foto dos nomes da Kibon na Europa. Colecionar expressões britânicas engraçadas, como "take the mickey out" ou "I can't be bothered". Jogar tênis, boliche, ping pong, futebol e badminton. Assistir o Eurovision e rir muito. Aprender a fazer sushi. Ficar preocupado sem saber se a orquídea ia sobreviver. Musicais no West End.



Poder perguntar: como foi o seu dia? quer fazer alguma coisa? já anoiteceu? Vamos assistir "Yes"? Negociar qual a comfort food do dia. Comer salada e sopa de legumes. Petit gateau com sorvete de baunilha. Iogurte com sucrilhos quase todos os dias. Livros, livros, livros. Nosso costume de comprar o jornal do sábado. Reclamar do clima quando tá frio. Reclamar do clima quando chove. Reclamar do clima quando tá ventando. Reclamar do clima quando tá calor. Tirar foto doidinha.



Arrumar a casa quando vem gente visitar. Não saber o que fazer com o mofo na casa. Sempre acompanhar o valor do câmbio. Assistir o Breakfast pela manhã, Jonathan Ross na sexta à noite. Assistir o UKTV Top 40. Conhecer o albertosauro.



Enviar 346 mensagens pelo celular e ainda ligar todos os dias pra falar besteira. Saber que vc estaria ali no fim do dia.



São todas essas coisas, pequenas coisas do dia a dia que ajudam a gente a continuar. Sem a sua presença aqui, esses 2 anos, 10 meses e 19 dias não teriam sido o que foram.
E era só isso que eu queria dizer: eu me lembro e não vou esquecer...